UM MOTORHOME PENSANDO

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Ano de 2012, mês de agosto, o dia nem lembro ao certo, estava eu um tanto preocupada com meu destino, afinal ja estava ali naquele estacionamento de motorhome onde fui colocada a venda ja fazia alguns meses.

De vez em quando vinham me visitar, entravam, olhavam,  apalpavam, mas iam embora e eu ficava. O entusiasmo era grande  a cada novo interessado que entrava dentro da casa, afinal eu ainda estava ali, com a esperança de um dia pegar a estrada novamente.

Confesso que minha ultima familia me deixou muito triste, na primeira viagem so reclamacoes. Eu sei que nao sou perfeita, mas tambem tenho meu orgulho. Reclamavam do barulho, reclamavam do cheiro de combustivel, achavam muito lenta, e o pior ouvia constantemente falarem, “parece um caminhao de verduras”, isso doia por dentro, embora um caminhão de verduras tenha a sua dignidade.

A vida de um motorhome quando se esta estacionado na garagem e sempre de expectativa, assim nunca sei ao certo quando sera a proxima viagem ou destino, no caso da ultima familia temia que pudesse ser descartada em  partes, isso me fazia sofrer.

Quando meu dono me levou a este estacionamento ate fiquei melhorzinha, sabia que tinha outra chance, afinal alguem podia se interessar por mim.

Bom, eu estou agora em Canoas, bem diferente do que estava em 2012 naquele estacionameno, esperando pela viagem dos sonhos. Estou feliz, alegre e disposta, quero poder fazer com minha nova familia tudo que um dia sonhei, ser amada e viajar, pegar a estrada, e conhecer novos lugares.

Olha so, tenho muitas coisas que gosto em mim, mas nem sempre foi assim. Tudo comecou a mudar quando em um dia de chuva, num final de semana, numa manha fria, entrou um veiculo Sentra, todo imponente, no estacionamento. Achei ele uma gracinha, muito embora convenhamos muito pequenino, rsrsrsrs.

Desceu dele um casal, um homem de mais ou menos um metro e setenta, claro, careca, fortinho e uma senhora loira muito bonita, esguia, de um sorriso lindo, um pouco mais baixa que o homem, eles formavam um casal muito bonito, mas com a chuva nao dava para ver muito bem, avaliar com chuva e que nem comprar carro com chuva,  para ver os defeitos e melhor olhar em dia de sol, nesse aspecto se viessem me ver eu estava com sorte, kkkkkk.

O estacionamento estava cheio, de um lado estavam os motorcasa mais jovens, cheios de brilho, eles se achavam especiais, nao escondiam isso. Agora na verdade estavamos todos na mesma situacao, esperando por uma familia que nos adotasse.

Estava ansiosa como sempre, nunca perdi a esperanca, sabia que um dia alguem iria perceber meu valor. Entao fiquei observando quando chegou a proprietaria do estacionamento, uma mulher de negocios, sabia perceber o potencial dos compradores e ja direcionava os mesmos para os veiculos que coubessem no seus bolsos. Depois de uma muito breve conversa ela entrou na adminstracao e voltou com um molho de chaves. Comecaram a andar em minha direcao, se pudessem me ouvir sentiriam minha pulsacao, quando estavam bem proximos, eu ja querendo dizer: sejam bem vindos, farei de tudo para ser a melhor escolha da vida de voces.

Pude ver nesse instante que nao tinha me enganado quanto ao aspecto do belo casal, mas de resto me enganei, chegaram e entraram na companheira ao lado. Fique feliz por ela, afinal tinhamos historias semelhantes. Pensei, agora ainda nao e minha vez, entao fiquei ali curtindo a chuvinha no teto.

Nem sempre fui uma motorcasa, ja rodei muito no transporte de pessoas na cidade de Sao Paulo, transportava de ca para la, muitos, todos os dias, essa parte da minha vida conto outro dia, mas quando chovia ouvia falerem de como seria bom estar deitado ouvido aquela chuvinha no teto, eu pensava, o que seria para eles essa sensacao. O destino e assim, desejamos algo e sei la, acontece, por isso sempre penso que so posso pensar em coisas boas. Ate hoje tem sido assim, quando tudo parece perdido, uma luz sempre brilha.

Terminava o meu periodo de utilizacao como onibus de linha e seria o fim, iria para algum desmanche de onibus ou me restaria alguns anos em uma cidade do interior ate me dispensarem em um patio vazio onde me consumiria no tempo. Claro que esperava ir para o interior, afinal, seria como uma aposentadoria no final da vida. Tudo foi diferente, me levaram a uma garagem e la comecaram a me desmontar, no inicio senti que era o fim, que minha aposentadoria tinha ido pras cucuias.

Tudo foi diferente, esse dia foi o nascimento, fizeram de mim uma motorcasa, e foi por ser como sou hoje que consigo compreender melhor as pessoas. Sobre a chuva no telhado sei agora que desperta muitas reacoes nos casais que usam a casa, e realmente gostam muito de ir para o quarto e deitar, mas nem sempre dormem, ou melhor, quase nunca dormem, primeiro veem um filmezinho, kkkkk.

Enquanto a chuva soava no teto o casal desceu de minha vizinha de estacionamento, e vi que comecaram a me olhar, estranhei ainda mais quando resolveram entrar, senti que nem tudo estava perdido. Enquanto me olhavam, teciam elogios dos moveis, do espaco, do meu quarto que tem acesso dos dois lados, fiquei feliz, sabia que tinha coisas boas, so que precisava de alguem que fosse sensivel, pessoas que achassem solucoes, que vissem o lado bom em tudo e tivessem muita energia e vontade de viajar.

Desceram e deram uma volta ao meu redor, pediram para abrir todas as portas de todos os compartimentos, perguntaram sobre o meu comprimento que e de onze metros, do meu motor que e um 352 da marca mercedes, num chassi 1113, onde o onze significa onze toneladas, e o 13 a potencia do meu motor que e de 130 cavalos.

Olharam aos meus pneus, os da frente novinhos, mas os de tras bem gastinhos, falaram de precos e outras condicoes do negocio. Sairam dali e foram olhar outras opcoes no estacionamento.

A chuva nao parou, mas o que mais me entusiasmou foi as fotos que fizeram dentro da casa, isso me pareceu um certo interesse no que viram. Foram embora.

Passou uma semana, a chuva parou, tudo contintinuva o mesmo, um tedio, nada que pudesse atender ao meu espirito de aventura. Este espirito veio quando me fizeram motorcasa, algo que nao sei explicar se implantou de maneira muito forte, acredito que sejam as historias que ouvia enquanto faziam a transformacao. O meu primeiro dono, sonhava em viajar, mas viajava muito na imaginação, com ele aprendi a ouvir os humanos, ele falava comigo insistentemente, acenava, mostrava o que estava fazendo e para que cada mudança servia ou não, explicava tudinho, em detalhes, colocou uma televisao dentro da casa, e nela passava videos de viagens, de locais no mundo todo, e todas as belezas que existem na natureza, assim cresceu em mim a vontade de ser um viajante.

Passou mais uma semana, e em uma terca-feira aquele senhor, do casal bonitão, que antes tiraram até fotos, retornou e veio com mais dois homens, um percebi que era mecânico, este veio para verificar o meu estado geral, pediu que ligassem o meu motor, momentos de muita tensão.

Faziam algumas semanas que nao me faziam funcionar e eu estava com a bateria fraquinha, fizeram uma ou duas tentativas e nada, sem forca de girar meu motor. Fiquei triste, queria causar boa impressao, afinal a primeira é a que marca.

Nesse momento comecei a entender que era aquele senhor interessado em mim, enquanto providenciavam uma bateria para fazer uma ponte, ele veio e sentou no banco do motorista, pegou a chave e disse, vamos lá você consegue. Foi como um choque de alta tensão, ele pegou a chave, ligou e apertou a ignição, na primeira vez nada, em seguida tentou novamente e manteve o botão pressionado, então busquei a ultima energia que os eletrolitos podiam gerar e consegui pegar. Que alivio!

O mecânico então veio e passeamos pelo pátio, ele fez algumas observações, umas boas outras nem tanto, mas o importante foi que disse que era um bom negocio. Fiquei feliz! Conversaram e foram embora. Passou mais uma semana, depois das ultima visita. O tempo dizem que sempre e o melhor remédio para se deixar um problema para trás, mas eu acredito que se deixa nao so os problemas como tambem as coisas boas, em resumo a memoria é que é curta, e por isso quero muito estar sempre renovando minhas recordações com momentos novos. Agora convenhamos, aqui neste estacionamento não é uma boa pedida, melhor seria viajando por esse Brasil a fora.

O tempo varia, de sol e chuva, assim e o mes de agosto aqui em Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul, estamos no inverno, estacao do frio. Nesses dias no pe da serra as familias se reunem e passam em seus veiculos em todos os finais de semana, indo para os famosos cafes colonias das cidades próximas. A rodovia passa ao lado, assim da pra ver a felicidade estampada nos rostos, e isso que quero para mim, fazer a felicidade do meu próximo dono e assim a minha também.

Quando nada mais pode ser feito, se espera, e era isso que eu fazia, esperava a chegada de mais algum interessado. Quando amanheceu o dia numa quinta-feira de frio vieram o pessoal da oficina, me levaram para dentro da garagem e lá começaram instalar cintos de segurança e dois faroletes no para-choque traseiro, que funcionam com um comando independente, podendo ser usados como luz de re ou como faroletes em um acampamento.

Fiquei sabendo então que teria uma nova familia, e que por eles foi exigido os cintos de seguranca e luz de re com sirene, o que me causou boa impressao. Chegou o dia, um novo dono veio me buscar, e para minha surpresa era ele, o bonitao das fotos. Que felicidade, eu sei que teremos, muitas novas historias para recordar.

A realidade e algo que muitas vezes nos coloca pra baixo e desanima. Enquanto faziam o servico o pessoal da oficina conversava sobre mim, e isso me deixou um tanto demasiadamente desanimada. falavam: esse caminhãozinho ta meio pau, com esse motor não vai longe, e a lataria esta bem judiada precisando de uma geral. Outro disse: vai sair uma banana fazer tudo que precisa.

No fundo eu sabia, tinha muitos ajustes a serem feitos pela nova familia, e acreditava que eles iriam me arrumar para os passeios.

Vou esperar por isso, com ansiedade, vou para minha nova casa, onde será?

Chegaram, vieram me buscar, o meu atual dono e o novo, aquele da mulher bonitona, eu  suspeitava que fosse ele, esperava por isso, mais uma vez o desejo faz a historia.

Os dois conversando, disse o atual ao novo dono: para guiar o motorcasa voce tem que pensar grande, nas curvas abrir sempre um pouco e cuidar com a traseira. Ainda este ano fui a Santa Catarina, mas desisti de ficar com ele em razao de que minha moto que nao entra no bagageiro, e minha esposa nao se adaptou a essa vida, tambem nao tenho tempo para me dedicar aos passeios, agora e um conforto você levar a casa junto. O novo dono de nome Oriom só concordava, mais observava do que falava.

Fiquei sabendo durante a viagem que o negocio ainda dependia da vistoria no Detran, onde fiscalizam documentos e equipamentos, para ver se tudo esta em ordem.

Estou entrando em Canoas, assim diz a placa de bem vindos, algumas ruas e paramos em frente a uma casa, ali um casal de idosos esperavam, fui estacionada e os dois se despediram, vi o antigo dono sair guiando o Sentra , dele não terei saudades, e pelo visto o sentrinha fez parte do negócio.

 

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2 pensou em “UM MOTORHOME PENSANDO

  1. Oi ,Oriom nós já nos conhecemos ,a primeira vez foi lá no camping de Gramado , depois num encontro do Rancho Móvel de final de ano ,comprei uma fotografia tua (eu andando de bicicleta) , meu nome é Flávio Pandolfo casado com a Carolina, achei muit bacana a história da Camicléta.
    Uma hora nos encontraremos por aí,um grande abraço para vocês.

    • Olá Pandolfo. Primeiro peço desculpas pela demora em responder, é que estava sem acesso a área administrativa do site. Obrigado por ler nossa história. E com certeza vamos nos cruzar por estas estradas. Um grande abraços para vocês.

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